Vingança do caipira Mazzaropi contra cidade volta na TV Cultura
Folha de S. Paulo, Ilustrada p. 8; 9 de fevereiro de 1992Inácio Araujo
FESTIVAL MAZZAROPI
Três filmes com o comediante Amácio Mazzaropi: O Noivo da Girafa (de Victor Lima, hoje), O Fuzileiro do Amor (de Eurídes Ramos, no dia 16), Chico Fumaça (de Victor Lima). Na TV Cultura, às 23h.
Toda vez que um filme de Mazzaropi vai ao ar, o Ibope da Cultura sobe. É muito provável que o fenômeno se repita hoje e nos próximos domingos, quando irão ao ar três de seus sucessos: O Noivo do Girafa (1952), O Fuzileiro do Amor (1956) e Chico Fumaça (1958).
Mazzaropi (1912-1981) não é um caso à parte no cinema brasileiro. Nas verdade, seu humor foi herdado de Genésio Arruda (1867-1967), comediante que veio do cinema mudo. Mas foi ele quem impôs definitivamente o tipo do caipira. Num país em ritmo acelerado de industrialização, representou melhor do que ninguém a vingança do campo. Era o homem que, dotado de valores simples e bom-senso, conseguia derrotar a vilania da vida moderna.
Mazzaropi tornou-se, assim, porta-voz de um público vasto e fiel, que fazia fila em frente aos cinemas todo dia 25 de janeiro, data sagrada de estréia de seus filmes. Sua ética de realizador e produtor era estrita: os filmes deviam ter pelo menos 90 minutos. Menos do que isso, seria um desrespeito ao público, achava.
Ver um de seus filmes era uma experiência diferente da que ofereciam os filmes normais. Quando Mazza saía de cena, os espectadores coçavam as costas, conversavam, comiam pipoca. Quando voltava. De imediato estouravam as gargalhadas. Ele não havia feito nada. Havia andado com seu jeito característico, balançado o corpo à sua maneira. Era o que bastava.
Sua virtude maior foi saber servir a esse público. É conhecida a história do assistente barbudo que, certa vez, propôs ao diretor do filme que estavam fazendo realizar um plano que lhe parecia “artístico”, Mazzaropi ouviu a conversa e disse ao diretor: “Tira o barbudinho daqui que o barbudinho está louco.”
Nesse sentido, foi o verdadeiro autor de seus filmes. A partir de determinado momento, escrevia os argumentos, produzia, co-dirigia e atuava.
Suas limitações eram óbvias: nunca evoluiu tecnicamente, nunca buscou variações para seu humor. O que fazia em 1950, fazia em 1970 e assim por diante. Também nesse sentido, era um caipira que acreditava em si mesmo e desconfiava dos urbanóides ao seu redor. Via o mundo com invejável segurança. Mas também com inegável estreiteza. O que seus filmes mostram é essa segurança baseada em valores singelos, e essa estreiteza própria de quem se recusa a aceitar um mundo em permanente mudança.